Nesta semana, um tema principalmente nos atrai: a periferia, no Brasil.
Falamos em acesso, ascensão social, vemos ícones periféricos tomando conta dos grandes meios no país. Mas, ainda fica a sensação de quem nem todos sabemos lidar com o tema sem uma grande carga de pré-conceito.
Daí, perguntamos ao Dorly Neto (poeta, jovem-ponte e articulador social carioca): o que não sabemos sobre a periferia no Brasil?
DORLY NETO:
Favela, periferias e comunidades, além de suas dimensões físicas (usualmente distante a rotina da classe média e alta), possui dimensões estéticas e simbólicas sempre em disputa pelos diversos atores da sociedade. E o que não sabemos sobre a periferia é justamente o que os atores que ali moram e criam a simbologia de seu território estão construindo. E por que não sabemos?
Estamos acostumados a olhar as áreas periféricas de nossas cidades através de representações externas ao próprio território. As camadas médias da sociedade, em um ato ora generoso ora oportuno, acostumou-se a usar o modo de vida da periferia como tema e objeto. E dentro dessa temática, a personagem de origem popular era um ser desprovido de qualidades subjetivas, sempre carregando um tom moralizante, de superação e sobrevivência. Quando não, por vezes, o território periférico era um lugar essencialmente carente, onde a pureza é ingênua e até exótica, como diagnostica o ativista Marcus Faustini, em seu artigo intitulado “A peleja da invenção do imaginário”, no livro O Novo Carioca.
Com o barateamento das ferramentas tecnológicas que facilitam a distribuição de qualquer produção estética, tanto sonora quanto audiovisual, os sujeitos das camadas populares agora deixam apenas de ser representados e começam a ser apresentados. Os atores trocam de papéis, e novas representações de subjetividades nascem. Quem antes era objeto, agora tem a possibilidade de se mostrar como sujeito que já era.
Tomo como exemplo o meu Rio de Janeiro. Há alguns poucos anos atrás, diversos jovens da periferia começaram a filmar, com seus smartphones, uma nova forma de dança desenvolvida por eles, em cima das batidas do funk carioca. Ali nascia o Passinho, ou Passinho do Menor. A dança, gravada em celular, ia para o Youtube através das lan houses e se espalhava em comunidades do Orkut. Outros jovens viam, se interessavam, desenvolviam novos passos e, assim, nascia a Batalha do Passinho, onde jovens disputavam, durante os bailes funk e na própria rua, quem era o mais habilidoso. Para entender melhor, um vídeo:
Uma cultura, quando apresentada pelos próprios sujeitos realizadores dela, não cai apenas no terreno do folclore, mas sim uma forma autoral de apresentar o seu próprio modo de vida, fazendo-se sujeito de sua própria trajetória.
Esse mesmo exemplo acontece, também no terreno do audiovisual, através do filme “5xFavela – Agora por nós mesmos”. Coordenados pelo diretor Cacá Diegues – o qual foi um dos diretores da primeira versão de 5xFavela, na década de 60 – cinco jovens cineastas, “crias” de favelas e periferias do Rio de Janeiro, realizaram cinco curtas, escritos e dirigidos por eles, com a temática que decidissem usar, ambientados em seus territórios. Um guia afetivo através das lentes dos cineastas. Veja o trailer:
Para entender a periferia que nós não conhecemos, é primeiro preciso esquecer aquela que (achamos) que conhecemos. Quando se compreende os mecanismos de representação da periferia por outras camadas sociais (o espectro da pureza exótica ou do objeto com discurso moralizador), começamos a perceber que, a diferença fundamental entre a periferia e os centros é que a periferia possui os seus próprios centros, e o que é dito como centro também possui as suas periferias. A dicotomia entre centro e periferia se dá de acordo com quem é o dono do discurso. A democratização do campo de fala é que fará a gente conhecer essa periferia até então desconhecida.