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“VOAR…” apresenta ao público um homem brasileiro oriundo de uma região muito especial –o cerrado- com sua linguagem, sua riqueza cultural, costumes, mitos e lendas próprios. Um homem brasileiro que não é retratado nas telenovelas, singelo e profundamente sábio na sua simplicidade e em sua maneira de falar o idioma, muito característica desta região do Brasil.

Com uma cenografia que retrata a poética aridez do cerrado, alguns cantos de aves que embalam a graça do homem caipira, “VOAR…” costuma emocionar os espectadores por onde tem se apresentado.

Foi considerado o melhor espetáculo do Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica no Porto/Portugal em 2003.

A história do espetáculo chega a ser desconcertante e surpreendente.

Ibsen, o dramaturgo norueguês, dizia que a beleza é um acordo entre o conteúdo e a forma. É essa a beleza contida no espetáculo “VOAR…” – a história contada pelo homem do cerrado é perfeitamente adequada à forma, ao cenário onde vive esse homem sábio e simples. A personagem revelada é real, existe de fato e ainda vive no sertão goiano. O autor do texto, Gil Perini, conviveu com ele e decidiu escrever a história fantástica que protagonizou.

É certo que o Brasil do eixo Rio X SP virou as costas para o Brasil interiorano, aqui nós não conhecemos a mitologia, os costumes, o pensamento mágico e a imensa sabedoria do homem do interior do país, ele só aparece no palco ou nas telas da TV como caricatura, alguém divertido e primitivo, ainda estacionado no século XIX. Talvez por isso chega a ser surpreendente o comportamento do público diante do personagem que conta a história de “VOAR…” .Nas pequenas cidades onde o espetáculo se apresenta não chega a causar surpresa, talvez pela aproximação das pessoas com o personagem, mas em cidades como Lisboa, Porto, Coimbra, as reações foram de descoberta, perplexidade, emoção – o homem conta sua história e ela é a história de todos os homens, uma espécie de profundidade shakespeareana, já que o personagem está envolvido pelo eterno dilema entre o ter e o ser, sem os conteúdos filosóficos inerentes ao dilema, mas de uma transparência ingênua que, nem por isso é menos profunda.

A linguagem do espetáculo resulta de muitos meses de viagens que o ator e diretor Marcos Fayad fez aos grotões do cerrado goiano onde vive o homem que interpreta –a musicalidade da fala, as pausas cheias de significados, as palavras inusitadas que vão revelando até onde pode chegar a riqueza do idioma português reinventado em cada região do Brasil, tudo isso foi sendo gravado e incorporado à interpretação, à maneira de contar a história mágica, com final inesperado e surpreendente.

Numa era de globalização que iguala tudo e torna tudo mais tedioso, é saudável entrarmos em contato com nossas especificidades, nosso jeito brasileiro de ver o mundo, com olhos lassos e despreconceituosos.

[Texto retirado do site da própria Cia Teatral Martim Cererê]


Voar… da Cia Teatral Martim Cererê, do diretor Marcos Fayad,

Pesquisa e entrevista: Ana Luiza Gomes