Eloá Chouzal é uma pessoa que conta casos maravilhosos de achados em apartamentos fechados e cinematecas antigas, historiadora e pesquisadora audiovisual, ela foi a responsável pela pesquisa feita para o documentário Dominguinhos. Pedimos para ela nos dizer o que não sabemos sobre os Tocadores do Brasil. E ela nos contou:
“a mão que escreve
é tocada pela mão do tocador
daí, brota a canção, leve,
na contra-mão da dor”
Xico Bezerra
Um tocador se achega no seu instrumento – por amor. Diz que arranha, arranca umas notas, aprende é tirando. E a música? Essa vai saindo de ouvido, de cor, do coração, desse lugar da paixão pra se revirar nos dedos e fazer canção. Pra que saber ler aquelas figurinhas na pauta se a vida te dá um dom? Pense!
– Ah… o Nené, do Acordeon? Puxa, ele começou bem pequenino, tocando na feira de Garanhuns. Defendia uns trocadinhos pra ajudar a família pobre. Num pau de arara arredou-se ainda menino pro Rio de Janeiro. Tocou muito baião, xaxado, xote com seu mestre Gonzaga. Figura doce – uma moça – como diria alguém. Andava pela vida sem nunca dizer não.
– E isso existe?
– Sei lá, mas que existe destino todo mundo sabe, todo mundo. O mestre lhe deu nome de artista, Dominguinhos – assim é bem melhor. E te vira nos quinhentos.
Tocou com Gal, Gil, Nara, e com todo mundo mais –pois era só lhe pedir. Compôs muita música linda, chegou até na parada de sucessos: famoso. Virou sanfoneiro pop, cabelo “black power”, estiloso, calça boca de sino – ele mesmo, que só queria um xodó.
Mas naquele ser tocado de agreste , o sertão fundo voltou a chamar. Prometeu ao seu mestre não deixar o forró morrer, pôs de novo na cabeça o chapéu de couro. Ano passado foi embora de mansinho, virou passarinho, ele que nunca foi capaz de matar nenhum…
Mas o que ninguém sabe é que nestas alturas, em algum recanto lá no céu, a alegria ferve. É seu Luiz, Dominguinhos, Marinês, Jackson do Pandeiro, o Trio Nordestino… o fole ronca solto, o couro da zabumba apanha crestado e o triângulo tinindo, trincando. Olhe a pisada! E segue o arrasta-pé nas nuvens. Eita! E nós, aqui na Terra, sem nem se dar conta, só recebendo essa chuva com tanta sustança. É levantar as mãos pro alto e agradecer todo dia, essa música que é só nossa.
(E eu fico achando que pesquisador é tudo mesmo poeta. Obrigada, Eloá, pela inspiração. Foto do acervo pessoal do Paulo Vanderley. Por Mayra Fonseca.)