Letícia Massula é apaixonada por comida e o que vem junto com ela: história, cultura, ingredientes, técnicas, receitas, utensílios e amigos em volta de uma mesa sempre farta! Decidiu empacotar seus livros de direito e deixar a cozinha tomar conta da casa e da vida. Especializou-se em estilismo culinário e comanda o blog Cozinha da Matilde onde compartilha segredos, receitas e reminescências da vida em volta da mesa!
É ela quem nos responde a seguir: O que não sabemos sobre Farofa?
(Se você tiver um caderno de receitas, recomendamos que pegue papel e caneta para tomar nota. E, claro, nos convide.)
Nós, brasileiros, trazemos a farofa no DNA. Seja por apreço à comida, farofa, seja por adesão à farofa, comportamento. A gente até torce o nariz e olha torto pra farofa do vizinho, mas não tem como negar a alma farofeira. Adoramos carregar comida pra viagem.
Acrescente farinha de mandioca flocada e crocante ao molho que sobrou na panela da feitura do lombo, misture bem, prove o sal e finalize com salsinha, alecrim e tomilho frescos.
E não é pra menos, a farofagem faz parte da nossa história, fez de nós o que somos. Afinal de contas, desbravar um país “com dimensões continentais” só com um farnel, matula ou bruaca bem providos de comida. Sem carregar comida por aí, nadica de entradas e bandeiras, tropeiros, mascates… talvez o aparato colonial nunca chegasse a Goiás, que continuaria a ser apenas a terra dos Goyases…
Sue cebola, talos de salsinha e alho em muita manteiga com uma pitada de sal. Acrescente miúdos de galinha (fígado, coração e moela) picadinhos e refogue bem. Quando os miúdos estiverem cozidos, acrescente ameixa seca picadinha e a farinha de pão italiano velho torrado.Finalize com pimenta e muito cheiro verde.
E que comida é melhor para viagem que a farofa? Gordura, carne e temperos ou mesmo as sobras de um molho de carne, tudo misturado com a farinha seca pra não perecer e suportar dias na estrada. Da praticidade da farofa fez-se o farofeiro.
Doure cubinhos de bacon na gordura de porco, acrescente cebola laminada, alho e sal. Abra um espaço no fundo da panela, quebre ovos e misture bem. Acrescente feijão cozido sem caldo, apenas os grãos. Acrescente muita pimenta e couve fatiada finamente. Finalize com a farinha.
Engana-se quem atribui a farofagem apenas ao povão. A realeza também curtia farofar. Dom João VI, apesar de não contar com uma vitrolinha, não saía por aí sem a farofa e a galinha em punho…
Na manteiga de garrafa frite os gongos com um punhado de cebola, alho e pimenta. Acrescente farinha e finalize com coentro. Da mesma maneira faça a farofa de içá, mas nela use salsinha, paulista não suporta coentro!
A tal “areia com gosto” – que gringo sabe que todo brasileiro é doido – é, do ponto de vista culinário, uma das grandes telas em branco da comida brasileira. Permissiva, aceita quase tudo, de carne a vegetais passando por especiarias e temperos super variados.
Pra fazer a farofinha fria, você rala cenoura, junta cebola roxa picadinha, ovo cozido em cubinhos, pimenta, muito hortelã cortado fininho. Aí vai juntando a farinha aos poucos e um fiozinho de azeite, pra ficar molhadinha. Isso com arroz branco…
Pode ser feita a partir de diferentes farinhas. Desde a de mandioca, o mais brasileiro dos ingredientes, passando pela de milho, o mais americano dos cereais, as de peixe seco, como a de piracuí, as farinhas de castanhas, e até mesmo de pão, todas elas aptas a virar farofa.
Derreta a manteiga em uma panela grossa, junte lâminas finas de cebola e uma pitada generosa de sal. Deixe que a cebola doure lentamente, e com um colher de pau vá misturando com delicadeza. Acrescente as farinhas aos poucos com cuidado para a farofa não ficar seca – metade farinha d’água com grumo pequeno, metade bagaço torrado de castanha do Pará. Cebolinha verde pra finalizar. Muita cebolinha verde.
Democrática, vai de mesas ricas onde são executadas com ingredientes nobres, às mesas mais simples, quando são feitas apenas com temperinhos plantados no fundo do quintal.
Pra farofa rica da fazenda, as lâminas de barriga de porco devem ser douradas em fogo baixo até que caramelizem. Reserve e escorra o excesso de gordura. Na mesma panela frite linguiça de porco caipira desmanchada, até dourar. Reserve também. Acrescente mais um cadim de gordura da barriga e nele frite cubinhos de banana-da-terra bem madura até que fiquem escuros e muito adocicados. Reserve. Mais gordura e cebola em cubinhos, talos de salsinha, alho, jurubebas partidas ao meio e muita pimenta bode. Volte com as carnes e a banana pra panela, misture bem. Aí é só colocar farinha, de mandioca ou de milho, e continuar misturando. Provar o sal, finalizar com cheiro verde.
Generosa, mata-fome de primeira, concentra sustança em pequenas porções. “Rende que é uma beleza”, alimenta muitos. Desde sempre uma forma eficiente de multiplicar o pão, dar uma incrementada na mistura da refeição e liga aos caldos que a compõem, apenas com farinha e muito tempero. É comida de resistência, comida que sacia.
Sue o alho no azeite e uma pitada de sal. Acrescente lâminas finas de jiló até mudarem de cor. Abra um espaço na fundo da panela e nele quebre três ovos caipiras. Misture com a ponta da colher até que endureçam, mas não muito. Farinha de milho neles, mexendo sempre. Pra finalizar muito cheiro verde.
Traz o sotaque regional a partir do perfil de sabor das muitas comidas que compõem a comida brasileira. Na Bahia vem temperada com dendê, com pequi no cerrado, com gongo, o bicho do coco tucum no maranhão, com bunda da formiga içá no Vale do Paraíba, muito coentro e manteiga de garrafa em todo nordeste, salsinha no sul e sudeste, alfavacão no cerrado.
Aqueça o dendê e vá juntando a farinha copioba aos poucos enquanto mexe sem parar, o resultado é uma farinha linda tingida de laranja e super aromática. Perfeita para acompanhar a moquequinha de ovo de mainha…
Tá na mesa do dia a dia e nas ocasiões festivas, versátil, combina ou “pareia” com quase todos os preparos da comida brasileira. Farofa não tem erro e também não tem muita regra… só não pode falar de boca cheia.
(Por Mayra Fonseca que finaliza esta postagem querendo tentar todas essas receitas da Let. Obras de Aristides Alves. Este tema de pesquisa foi feito em parceria com a Cozinha de Matilde).