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Chegamos à reunião do projeto Viajantes do Território e conhecemos a Judite, assim, cantando as histórias da Zona Portuária do Rio de Janeiro. Isso, mesmo, cantando.

Judite Rosario é carioca; apaixonada e pesquisadora de cultura e história do Rio de Janeiro, além de guia de turismo. Atualmente, sua área de interesse tem sido a Zona Portuária da cidade do Rio de Janeiro, participante do curso Viajantes do Território, com o projeto Histórias (En)cantadas, um roteiro turístico pela Zona Portuária, contextualizado com músicas que dizem respeito a histórias, causos e pessoas que deram e dão vida ao lugar.

Foi ela quem nos preparou esse texto e seleção musical para o tema Morro da Conceição.

Aproveitem:

O Morro da Conceição faz parte da visitação de um roteiro turístico, contextualizado com músicas. Para quem chega de navio ou circula pela área central da cidade do Rio de Janeiro, o morro é quase imperceptível. Mas quem já ouviu falar dele e tem interesse em conhecê-lo se surpreende diante das histórias do lugar e de sua importância para a cidade. Isso porque o Morro da Conceição, junto com o Morro de São Bento, é um marco do início da ocupação pelos portugueses. Após a fundação da cidade, em 1565, ambos os morros demarcavam os limites da urbanização carioca, formando um quadrilátero com o Morro do Castelo e o Morro de Santo Antônio, esses já demolidos nos anos vinte e sessenta do século XX, respectivamente.

O seu nome tem origem em uma pequena igreja venerada a N. S. da Conceição, erguida pela senhora Ana Dantas proprietária do local, ainda no século XVI. Localizado no bairro Saúde, na Zona Portuária do Rio de Janeiro, o Morro da Conceição guarda um considerável conjunto de patrimônio natural, histórico, artístico, cultural, social e turístico, além do patrimônio imaterial, advindo do Samba e do Partido Alto, entre outras manifestações culturais e religiosas de matrizes africanas e portuguesas.

A ocupação de moradia neste morro se deu de modo atípico em relação à maioria dos morros do Rio. Uma ocupação com casas de alvenaria, habitadas por imigrantes europeus de classe média baixa e, no limiar do século XIX, por negros alforriados, migrados do interior dos estados pós-abolição, principalmente do recôncavo baiano. Esses, os baianos, fixaram-se próximos à Pedra do Sal, constituindo em uma extensão até aos arredores da Praça Onze, região que era chamava de a Pequena África.

Hilário Jovino Ferreira, citado em música de Caetano Veloso, era tenente da Guarda Nacional, morava no Beco João Inácio no nº 17, uma das ruas de subida do morro. Importante figura na fundação e direção do Rancho Carnavalesco Rei de Ouros. Ele foi quem inovou ao transplantar a saída dos ranchos do dia de reis – 06 de janeiro –, para o carnaval. Outra presença importante na Pedra do Sal era a das Tias Baianas – Hilária Batista da Almeida, a famosa Tia Ciata; Tia Perciliana, mãe de João da Bahiana; Tia Amélia, mãe de Donga, entre outras. Zeladoras de santo no Candomblé, costumavam fazer as oferendas para os orixás, às margens do local.

Lugar de ambiente tranquilo, mesmo próximo ao barulho e ao caos urbano, no alto do morro encontra-se uma visão panorâmica privilegiada para a Baía da Guanabara. Apesar de várias transformações sofridas ao longo do tempo em seu entorno natural, o Morro da Conceição é um dos atrativos mais visitados da região. Preserva a memória do lugar a partir de causos e dos nomes dos logradouros como Rua do Jogo da Bola, Travessa do Sereno, Rua do Escorrega. Lá, encontram-se oficinas de artes dos artistas moradores do morro; no sopé do morro a Igreja de São Francisco da Prainha e a Pedra do Sal, local de trabalho escravo na era colonial, ponto de encontro de sambistas como Pixinguinha, João da Baiana, Donga no início do período republicano; e hoje, abriga um pagode nas escadarias da pedra que é uma parte do morro das mais visitadas.

Sonorizando, o nome do morro nos remete à peça teatral de Vinícius de Moraes Orfeu da Conceição, escrita em 1954. Uma tragédia baseada no mito grego sobre o amor de Orfeu e Eurípides, que Vinícius transpôs para a realidade da favela carioca. A peça conquistou um prêmio literário em São Paulo. Teve sua estreia no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em setembro de 1956, com cenários assinados por Oscar Niemeyer, cartazes de Djanira e Carlos Scliar, cuja trilha sonora marca o início da parceria Tom e Vinícius para MPB. Em 1959, a peça foi adaptada para filme com o nome Orfeu Negro, dirigido pelo francês Marcel Camus, produzido pelo italiano Jacques Viot e Vinícius. Em 1999, Cacá Diegues produz Orfeu, com trilha sonora assinada por Caetano Veloso. Em 2010, o diretor Aderbal Freire Filho assina o musical samba bossa nova, sob o título Orfeu.

Segue, então, uma seleção musical que refere à obra de Vinícius e também ao som que vem da Pedra do Sal.

1. Orfeu da Conceição – Vinícius de Moraes (trilha sonora da peça teatral, 1956) – Overture

2. Orfeu da Conceição – Vinícius de Moraes (trilha sonora da peça teatral, 1956) – Monólogo de Orfeu

3. Orfeu da Conceição – Vinícius de Moraes (trilha sonora da peça teatral, 1956) – Um nome de mulher

4. Orfeu da Conceição – Vinícius de Moraes (trilha sonora da peça teatral, 1956) – Se todos fossem iguais a você

5. Orfeu da Conceição – Vinícius de Moraes (trilha sonora da peça teatral, 1956) – Mulher, sempre mulher

6. Orfeu da Conceição – Vinícius de Moraes (trilha sonora da peça teatral, 1956) – Eu e o meu amor

7. Orfeu da Conceição – Vinícius de Moraes (trilha sonora da peça teatral, 1956) – Lamento no morro

8. Agostinho dos Santos & Roberto Menescal – A Felicidade

9. Joyce – Pelo Telefone

10. Pinxinguinha, Clementina de Jesus, João da Bahiana – Batuque na Cozinha

11. Mart’Nália – Pé do Meu Samba

(Foto da Pedra do Sal, no sopé do Morro da Conceição, por Ana Luiza Gomes. A pesquisa deste tema recebeu apoio da Farm que arcou com os custos de viagem e hospedagem para imersão local no Rio de Janeiro. Obrigada, Farm).