Conhecemos o Rafa F. Grafio no encontro dos Viajantes do Território, na Casa do Porto, logo perto da Pedra do Sal, entrada no Morro da Conceição.
Como professor de expressão gráfica do Departamento de Análise e Representação da Forma, na Faculdade de Arquitetura e urbanismo da UFRJ, Rafa realiza um projeto de doutorado, junto aos seus alunos, que consiste na construção de uma história em quadrinhos inspirada na região. O projeto narra os diálogos entre as os observadores/desenhistas e os moradores e suas moradas.
Curiosas e encantadas pelo traço ligeiro e o cuidado do rapaz com seu caderno de desenhos, fomos logo pedindo para ele nos contar mais:
O Brasil Com S: Por que ilustrar as histórias da região portuária e do Morro da Conceição no Rio de Janeiro?
Rafa F. Grafio: a minha pesquisa abrange a área portuária (bairros da Saúde, Gamboa e Santo Cristo) e alguns de seus habitantes e frequentadores. Mas, no momento, o trabalho se concentra mais no Morro da Conceição. O Morro da Conceição é um lugar cuja história está ligada ao início da urbanização da cidade do Rio de Janeiro. O morro da Providência, logo ao lado, foi o lugar onde aconteceu a primeira ocupação que foi chamada de favela.
A área do porto abrigou o antigo mercado de escravos da cidade. A região também teve moradores e frequentadores ilustres, como Machado de Assis, João da Baiana, Pixinguinha e Heitor dos Prazeres. Enfim, é um lugar com uma história muito rica, mas que atualmente vem sendo alvo de especulações e transformações urbanas significativas. Tudo isso faz dessa área um lugar interessantíssimo para se pesquisar, do ponto de vista de um arquiteto e urbanista.
Nesse processo, eu e meus alunos fazemos isso através do desenho, no entanto, é importantíssimo esclarecer que, o desenho é visto por nós como um processo criativo, uma forma de se entender alguma coisa, e não como fim em si mesmo. Contudo, convêm aqui realizar uma pausa para se esmiuçar melhor dois aspectos desempenhados pelo desenho e como eles se encaixam no processo da nossa pesquisa. O primeiro deles é o desenho de observação como instrumento de análise da cidade e das maneiras como as pessoas se relacionam com a mesma em seu cotidiano.
O desenho aqui é utilizado como forma de aproximação do objeto de estudo, abordagem essa que possui raízes na etnografia, forma pela qual o arquiteto e urbanista vai traduzir os hábitos cotidianos dos lugares da cidade através de esboços em seu caderno de croquis. O acúmulo dessas observações, anotações, esboços, fotografias e conversas, coletadas em campo ao longo de um determinado período de tempo (dias, meses, anos) visa ajudar esta pesquisa a construir uma narrativa gráfica sobre os hábitos cotidianos de determinados lugares da cidade. No entanto, tal método é restrito e acaba refém do acaso, ou da sorte, na medida em que o pesquisador não pode estar em todos os lugares ao mesmo tempo e não se pode garantir que eventos significativos coincidam com o período das observações etnográficas do pesquisador.
Para lidar com esse problema e ampliar o ângulo de visão do observador, a pesquisa recorre a outros olhares, de “nativos” ou “especialistas”, e pede para que esses participem do processo de análise dos lugares. Essa participação ocorre por meio da construção de uma narrativa gráfica, onde “informante” e “pesquisador” estabelecem uma parceria que se aproxima bastante da dinâmica entre roteirista e artista, muito usual no mundo das HQ’s.
Nesse processo, ao relembrar suas relações com o lugar (ou lugares) que considerou significativo, o informante é obrigado a estruturar uma narrativa onde ele próprio é personagem. Nesse percurso, inevitavelmente, deve ponderar sobre o significado que atribui ao lugar, assim como o grau de maior ou menor identificação que estabelece com o mesmo. De certa forma, os lugares se tornam mais compreensíveis ao serem interpretados em função do que seus habitantes e usuários dizem deles.
Madrilenian Andrés Jaque, um investigador da simbiose entre arquitetura e os quadrinhos, concluiu certa vez que: “através da construção da narrativa gráfica, nós projetamos, e através do compartilhamento da narrativa, nós fazemos com que outras pessoas participem do processo de projeto”. Em outras palavras, para diversos arquitetos a linguagem das HQ’s não se configura apenas como um meio de comunicação; ela literalmente contribui no processo de criação do projeto, seja arquitetônico ou urbano.
Todas as imagens acima são do caderno de processos e observações de Rafa F. Grafio. Direitos autorais de Rafa F. Grafio. Proibida reprodução.
(A pesquisa deste tema recebeu apoio da Farm que arcou com os custos de viagem e hospedagem para imersão local no Rio de Janeiro. Obrigada, Farm).
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Pesquisa e entrevista: Ana Luiza Gomes