Pedro Rahal tem 35 anos, funcionário público, técnico de futebol amador e viajante nas horas vagas. Formado em Administração de Empresas e em Direito, está em constante busca. Pretende agora estudar teatro e praticar capoeira.
E também é uma dessas pessoas que mais escuta do que fala. Dessas pessoas que sabem a quem escutar. Sempre perto de uma criança ou de um idoso sábio, Pedro tem um jeito especial de conhecer os lugares. Inclusive o Brasil. Foi ele quem nos primeiro apresentou o Tapajós. Nada mais importante então do que pedir que ele também nos responda:
O que não sabemos sobre o Tapajós?
Sempre amei viajar. Pra dentro e pra fora. Foi com meu pai, um professor de matemática assumidamente apaixonado pela natureza, que comecei minha busca por lugares novos. Meu pai era um grande contador de histórias e, após a separação com minha mãe, seguia vindo diariamente me visitar para contar histórias mirabolantes, que se passavam em cenários mágicos e que tinham eu mesmo como personagem. Sem as histórias era muito custoso dormir ou sonhar…
Meu pai sempre teve um gosto original para viagens, que em muitas ocasiões beirava o excêntrico, assim surgia com desejos bastante peculiares de lugares para conhecer. Eu não questionava muito, apenas topava, escutando uma vaga intuição que me mandava viajar. Assim, tive a oportunidade de conhecer inúmeros cantos do nosso Brasil ao lado dele.
Mais tarde, já com barba no rosto, começaram as viagens em que eu ia sozinho: desacompanhado, mas de peito aberto. Tinha preferência por lugares difíceis, com menos estrutura e mais natureza. E foi apenas após viajar por 46 países e adentrar as mais diferentes matas pelo mundo, que me dei conta que ainda não havia viajado pela nossa Amazônia. Senti que aquilo não estava certo e resolvi imediatamente pesquisar sobre lugares interessantes por aqueles lados, capazes de despertar minha curiosidade de viajante e me mobilizar para fazer acontecer.
Numa dessas pesquisas descobri um nome diferente: Alter do Chão. Dizia-se ser uma praia maravilhosa, banhada pelas cristalinas águas do Rio Tapajós e classificada pelo Jornal inglês The Guardian como uma das oito praias mais bonitas do Brasil e uma das mais bonitas do mundo. Fiquei confuso com aquilo. Em primeiro lugar, incomodava-me um julgamento de nossas praias feito por um olhar estrangeiro. Além disso, em mais uma atitude de mente pouco aberta, mostrei-me ressabiado com a possibilidade de uma praia de rio poder estar entre as mais bonitas do Brasil. Achava que praia só era praia mesmo, se banhada por águas salgadas. Estava, mais uma vez, enganado.
Cheguei por lá, a primeira vez, em agosto de 2013. O primeiro mergulho nas águas do Rio Tapajós foi transformador e banhou-me imediatamente da certeza de que nadava em águas mágicas, repletas da capacidade de curar e ensinar. Não queria sair daquelas águas, embora ali já estivesse por horas, queria na verdade mergulhar mais fundo, beber ainda mais delas.
Mas a viagem estava ainda apenas começando. Percebi que saía daquelas águas com algo além da sensação de corpo limpo e banho tomado. Saía como que protegido pela natureza e nutrido de um magnetismo que me atraía para situações e pessoas dispostas a compartilhar intimidades, histórias de vida, conhecimento de mundo e experiências que faziam todo sentido dentro do contexto de minha busca pessoal.
Por que aquelas pessoas ousavam ir além do mundo das aparências e de contatos meramente convencionais? Por que me entregavam respostas pra perguntas que eu sequer havia formulado, mas pulsavam fortemente no meu íntimo?
Entreguei-me ao acaso e resolvi receber de coração aberto tudo aquilo que o Tapajós poderia me oferecer. É engraçado, pois conforme os dias foram passando e a conexão com a natureza aumentando, resultando em ouvidos mais treinados para escutar os sons do mato e olhos mais ágeis pra enxergar a poesia da vida, ia crescendo minha facilidade para conhecer pessoas e estabelecer trocas reais.
Abençoado pela energia do Tapajós, fui conhecendo, um a um, seres humanos fantásticos que estabeleciam lindas relações com a natureza e a cultura local. Borô, um escalador profissional e músico fenomenal, que viu sua pousada arrendada ser incendiada, mas dos escombros ergueu o Espaço Alter, onde música, arte e pessoas se encontram; Paulão, amante da natureza, dono de uma mobilete guerreira com a qual adentra os matos mais longínquos, em busca de queimadas e desmatamento que fotografa e denuncia; Cairus, fundador do espaço Sementes, onde pesquisa e vende produtos naturais que respeitam os ciclos da natureza; Vicky, uma israelense repleta de magia nas mãos que temperam os pratos de seu encantador restaurante na praça; Nil, mestre de capoeira, pioneiro do plantio e exportação de guaraná em pó pra Europa e profundo mestre do conhecimento botânico; Ivan, um venezuelano multi-disciplinar, com domínio sobre artes como capoeira, música, pilotagem de bajaras, jardinagem e alta culinária; além de inúmeros outros seres que dividiam sem cerimônia seu íntimo, suas artes e seus sonhos.
Aberto pra novas aventuras, seguro pra navegar aquelas águas, aceitava os mais inusitados convites e assim navegava os encantos do Rio Tapajós, do Rio Arapiuns e da Flona, conhecendo comunidades nativas, comunidades de artistas e paisagens de tirar o fôlego.
Lentamente, de tanto conhecer lugares e pessoas, percebi que navegava, na verdade, meu próprio íntimo, descobrindo, no outro, cada uma de minhas mais variadas possibilidades de ser, de fluir.
Foi no Rio Tapajós que percebi então a sutil diferença que há entre sentir a natureza e sentir-se natureza.
(Por Pedro Rahal. Conteúdo por Mayra Fonseca. Este tema foi feito em parceria com o Viageria e com o apoio da AMZ Projects. Foto por Luis Rubião.).
