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São tantas as coisas que não sabemos sobre o Brasil, que decidimos começar a perguntar a especialistas.
Uma primeira pergunta: o que não sabemos sobre o nosso futebol?

Resposta do Felipe Soalheiro, amigo especialista em estratégias de comunicação para esporte:

Poucos foram os brasileiros capazes de ler nosso futebol nas entrelinhas tão bem quanto Nelson Rodrigues. Centenário que seria hoje – como, aliás, já são nossos maiores clubes – Nelson sabia como ninguém o quanto, especificamente no Brasil, o tal do ludopédio carrega de simbolismo e de analogias comportamentais do nosso povo.

A Copa vem aí, mais uma vez. E se em 1950 seu grande legado foi o Complexo de Vira-Latas que desde então de nós se apoderou (e que Nelson erroneamente achou ter nos abandonado quando do título de 1958), o medo agora vai além dos meros complexos. Mesmo com a feroz matilha que vocifera temendo o fracasso do Brasil-Nação, não se engane: as sequelas que pior marcarão a alma brasileira talvez sejam a de um provável novo fracasso do Brasil-Seleção.

Se vivo, o Nelson Cronista Esportivo talvez pudesse nos explicar o que se passa com a hoje escorraçada Seleção Canarinho, usando a destreza em identificar sutilezas sociais que só o Nelson Dramaturgo possuía. Nas poucas e recentes oportunidades em que a Seleção Brasileira atuou por aqui, sempre uma recepção diferente em cada cidade. Do carinho de Belém à ansiedade de Goiânia, da pajelança em Brasília à crueldade de São Paulo, a forma como abraçamos ou repudiamos nossos ídolos diz muito sobre a diversidade do país.

Em São Paulo, no último 7 de Setembro, talvez o episódio mais marcante entre tantas diferenças. Ali, um garoto de 20 anos, o maior dos jogadores brasileiros em atividade, a ‘Grande Esperança Parda’, foi covardemente hostilizado pela maior parte dos presentes no Estádio do Morumbi. Tais presentes, casais e famílias de belo poder aquisitivo, aproveitando o feriado para vaiar e zombar daquele que, dizem, seria a maior estrela do futebol brasileiro.

Para entender, só mesmo recorrendo a Nelson, que disse que “a grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose.” A frase do Dramaturgo retrata uma situação que talvez o próprio Cronista tivesse dificuldade de explicar.

A força desse esporte sobre o brasileiro é imensa. Se nas conquistas tomamos as ruas, nas derrotas buscamos ávidos por Geni. Por amor, tal qual Pereio, faltamos ao respeito com o ídolos que dizemos querer bem. Há em nós um prazer mórbido em vê-los falhar, talvez por que isso faça deles mais humanos aos nossos olhos e assim amamos odiá-los. A paixão que supostamente temos pelo futebol é na verdade o sentimento que nutrimos pela vitória, pois é nela em que nos redimimos. De chuteiras, nos vingamos por décadas de um mundo que nos dava as costas. E agora, quando o mesmo mundo finalmente nos abre os braços e bate à porta, o medo de falhar vergonhosamente nos arrepia a espinha.

Se em 1950 a dor de um país foi traduzida pelo silêncio fúnebre dos 200 mil brasileiros no Maracanã, em 2014 talvez as vaias irão estancar os brios novamente feridos de um povo que ainda procura se erguer.